terça-feira, 28 de julho de 2009

A carta aberta

A carta aberta é um gênero textual muito usado para incitar discussões e impelir o cidadão À conscientização de assuntos sociais que requerem mais cuidados; é também um meio de se manifestar e se protestar; desta forma a carta aberta se tornou um tipo de texto fundamental e muito útil nas sociedades democráticas.
Abaixo seguem- se duas cartas abertas; observe a estrutura e a organização de ideias nesse gênero textual:



Texto 01:



CARTA ABERTA DE ARTISTAS BRASILEIROS SOBRE A DEVASTAÇÃO DA AMAZÔNIA

Acabamos de comemorar o menor desmatamento da Floresta Amazônica dos últimos três anos: 17 mil quilômetros quadrados. É quase a metade da Holanda. Da área total já desmatamos 16%, o equivalente a duas vezes a Alemanha e três Estados de São Paulo. Não há motivo para comemorações. A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas presta serviços ambientais importantíssimos ao Brasil e ao Planeta. Essa vastidão verde que se estende por mais de cinco milhões de quilômetros quadrados é um lençol térmico engendrado pela natureza para que os raios solares não atinjam o solo, propiciando a vida da mais exuberante floresta da terra e auxiliando na regulação da temperatura do Planeta.

Depois de tombada na sua pujança, estuprada por madeireiros sem escrúpulos, ateiam fogo às suas vestes de esmeralda abrindo passagem aos forasteiros que a humilham ao semear capim e soja nas cinzas de castanheiras centenárias. Apesar do extraordinário esforço de implantarmos unidades de conservação como alternativas de desenvolvimento sustentável, a devastação continua. Mesmo depois do sangue de Chico Mendes ter selado o pacto de harmonia homem/natureza, entre seringueiros e indígenas, mesmo depois da aliança dos povos da floresta “pelo direito de manter nossas florestas em pé, porque delas dependemos para viver”, mesmo depois de inúmeras sagas cheias de heroísmo, morte e paixão pela Amazônia, a devastação continua.

Como no passado, enxergamos a Floresta como um obstáculo ao progresso, como área a ser vencida e conquistada. Um imenso estoque de terras a se tornarem pastos pouco produtivos, campos de soja e espécies vegetais para combustíveis alternativos ou então uma fonte inesgotável de madeira, peixe, ouro, minerais e energia elétrica. Continuamos um povo irresponsável. O desmatamento e o incêndio são o símbolo da nossa incapacidade de compreender a delicadeza e a instabilidade do ecossistema amazônico e como tratá-lo.

Um país que tem 165.000 km2 de área desflorestada, abandonada ou semi-abandonada, pode dobrar a sua produção de grãos sem a necessidade de derrubar uma única árvore. É urgente que nos tornemos responsáveis pelo gerenciamento do que resta dos nossos valiosos recursos naturais.

Portanto, a nosso ver, como único procedimento cabível para desacelerar os efeitos quase irreversíveis da devastação, segundo o que determina o § 4º, do Artigo 225 da Constituição Federal, onde se lê:

"A Floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais"

Assim, deve-se implementar em níveis Federal, Estadual e Municipal A INTERRUPÇÃO IMEDIATA DO DESMATAMENTO DA FLORESTA AMAZÔNICA. JÁ!

É hora de enxergarmos nossas árvores como monumentos de nossa cultura e história.

SOMOS UM POVO DA FLORESTA!


Fonte: http://www.amazoniaparasempre.com.br/



Texto 02



Carta aberta ao novo Ministro da Educação




Prezado Sr. Ministro!



No momento em que redijo estas linhas, não conheço o nome de quem foi escolhido para a pasta da Educação. Isto, porém, pouco importa. Não escrevo para aprovar ou criticar quem ocupará esse cargo no novo governo.


Esta carta foi escrita para o senhor, seja o senhor quem for, com o intuito de dizer-lhe que - venha de que partido vier, tenha sido de alguma universidade reitor ou diretor - um atributo, sim, não poderá lhe faltar: o de ter pela educação um profundo, um radical amor.


Não serei seu assessor, Sr. Ministro, mas exerço uma função dentro do seu ministério muito mais importante que qualquer outra. Eu sou, talvez também como o senhor, um professor.


E todos os problemas da educação oferecida em âmbito municipal, estadual ou federal (em instituições públicas ou particulares) são problemas que, se (é bem verdade) referem-se a questões de ordem sócio-econômico-familiar, no próprio âmbito escolar radicam e, em particular, na figura, na pessoa de cada professor.


Uma escola pode até não ter computador (e deve ter muitos, sim, senhor!), mas jamais poderá prescindir de um atualizado professor.


Uma escola pode até não ter aquela merenda do outro mundo (e deve ter, farta, variada e preparada com primor!), mas jamais poderá prescindir de um substancial professor.

Uma escola pode até não dispor de biblioteca (e deve dispor, não é nenhum favor!), mas jamais poderá prescindir de um professor que seja um apaixonado leitor.

Uma escola pode não ter quadra de futebol (e deve ter, nem preciso ser torcedor!), mas jamais poderá prescindir de um professor que saiba driblar as dificuldades, vestir a camisa, enfim, um profissional, e não um amador.


No frio ou no calor, precisamos ter nas salas de aula um professor pessoalmente comprometido com a tarefa que lhe foi confiada.


Contudo, esse professor não se improvisa, Sr. Ministro.


Esse professor deve ser ouvido e não mais emudecido por estatísticas que, no final das contas, são negadas pela verdadeira realidade.


Esse professor deve ser escolhido e orientado para que saiba vencer desobediências, carências e violências, com plena consciência do que pode fazer.


E, sobretudo, esse professor deve ser valorizado de maneira bem concreta, com salário digno, com respeito, com autoridade, com tudo aquilo que faça dele um revolucionário, um inventor, um sábio, um ator.

Gabriel Perissé

Autor do recém-publicado livro O professor do futuro (Thex Editora)

Matéria Publicada no site http://www.webamigos.net, em 18 de dez. 2002.

Matéria publicada em 01/01/2003 - Edição Número 41


Fonte: http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=78&rv=Colunistas

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O Sapato



Imagine a sua vida sem o sapato; seria horripilantemente terrível! Andar descalço por aquelas ruas porcamente sujas onde pessoas extremamente mal educadas jogam lixo. Na sua vida o sapato é essencial, andar sem machucar e sujar os pés lindíssimos. Servindo também como acessório de moda que tem criatividade pra tudo; os sapatos são tão importantes que existem especialistas para fazer o sapato de seu gosto e para seu tipo específico de pé e diversificados modelos. Hoje em dia existem sapatos para todo tipo de gosto. Um dia qualquer, eu vim para a escola e vi aqueles alunos com diversos tipos de sapatos; nunca se imaginaram sem essas coisinhas quase sempre confortáveis, de cadarços ou não. Mas pense uma única vez como seria ir para o colégio sem sapatos. Todos olhando seus pés. Sapatos... Eles também escondem pés feios e fedidos. E como sempre, amanhã eu vou para o colégio de sapatos e vou sair para qualquer lugar de sapatos.


Crônica escrita por

Deirdre Aguiar

Estudante do 8º ano do Ensino Fuindamental

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Transposição do Rio São Francisco

Olá, visitantes, alunos e amigos. Os três textos que se seguem são sobre o projeto de transposição do Rio São Francisco. São textos argumentativos que envolvem a polêmica: transposição, benefício para quem?. Leiam, eles irão lhes fornecer não só informações, mas lhes ajudaram a formar opinião e argumentos, sobre esse assunto tão discutido.

Boa leitura

Transpor é solução?

Sem a água do Velho Chico, a esperança é a última que seca

LEONARDO SAKAMOTO

Artigo publicado na Revista Problemas Brasileiros, ed. 27, Setembro/Outubro de 2001.

O primeiro projeto foi concluído quando as barbas de dom Pedro II ainda dominavam a cena política do Brasil Império. Em 1852, os engenheiros do imperador já se preocupavam com o semi-árido nordestino, que queriam ver irrigado com a água do São Francisco. De lá para cá, a idéia surgiu nos planos governamentais e deles desapareceu inúmeras vezes, enquanto a região, ano após ano, sofria as conseqüências da seca.

Entre as decisões que mais animaram os habitantes daquela área, o destaque sem dúvida ficou com a proposta do governo Fernando Henrique Cardoso, uma promessa de campanha que o ajudou a amealhar os votos daquela população em duas oportunidades: em 1994, quando se elegeu pela primeira vez, e quatro anos depois, ao ser reeleito.

Grande foi a surpresa, portanto, de muita gente em julho último, quando o governo federal anunciou a suspensão das obras dos canais que iniciariam a transposição das águas. Orçado em mais de R$ 3 bilhões, o projeto aguardava apenas a aprovação do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) pelo Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – sob intensa chuva de protestos de pesquisadores, ambientalistas, comunidades indígenas, populações ribeirinhas, setores da Igreja Católica e políticos contrários à transposição da forma que está proposta.

Trata-se, sem dúvida, de uma idéia polêmica, que promete ainda muitas idas e vindas antes que as primeiras gotas do São Francisco atinjam os açudes do nordeste. O projeto consiste na construção de dois canais artificiais distintos – eixos Norte e Leste –, destinados a ligar o rio ao semi-árido dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A água captada em Cabrobó (PE), acima da ilha Assunção, e no reservatório de Itaparica, representando cerca de 3% do volume do rio, seria então bombeada por 591 quilômetros de canais, dois aquedutos (20 quilômetros) e 12 túneis (22 quilômetros), e jogada nos rios da região até atingir uma rede de 26 açudes.

Assim que o governo anunciou a suspensão, Rômulo Macedo, ex-secretário de Infra-Estrutura Hídrica, responsável pelo projeto de transposição até meados deste ano, criticou a alteração. Afinal de contas, informou, R$ 40 milhões já foram gastos apenas em estudos básicos e pesquisas. "Vai haver um apagão da água no nordeste e então ficará muito clara a sua necessidade", disse.

Na outra ponta, o ministro da Integração Nacional, Ramez Tebet, justifica a decisão: "Estamos levando em conta o fato de que não podemos iniciar as obras. Há impedimentos que não dependem do governo", afirmou. O ministro, que por sinal é do Mato Grosso do Sul, região do generoso Pantanal, onde a água é abundante, apontou como um desses impedimentos uma liminar na Justiça que bloqueou o processo de audiências públicas para a avaliação do Rima. Afirma, entretanto, que o projeto não secou de vez e que os estudos continuam. O governo, aliás, está transferindo R$ 100 milhões – dos R$ 200 milhões previstos para a transposição no Orçamento 2001 – para a revitalização do São Francisco.

A operação, batizada de "Velho Chico, Novo Rio", informa o governo, deve começar ainda este ano com ações de reflorestamento, renovação da mata ciliar e organização da agricultura familiar, e é considerada pelo ministério como parte do projeto maior. O restante do orçamento será investido na conclusão de grandes açudes que futuramente receberão a água da transposição.

Segundo o ministro pantaneiro, o baixo nível do São Francisco foi o responsável pela alteração de rumos, determinando uma "mudança no perfil dos investimentos". Em Brasília, porém, comenta-se que essa guinada foi resultado mais de uma decisão política do que técnica. Afinal, com a inevitável demora na conclusão das obras, o presidente Fernando Henrique não teria tempo de receber os dividendos políticos antes do final do mandato. E não gostaria de deixar um presente desse porte para seu sucessor, principalmente se fosse um oposicionista. Conclusão: dificilmente os canais sairão do papel até dezembro de 2002, postergando para o próximo governo a decisão de tocar a parte mais importante e polêmica da obra, que é a retirada da água de seu leito natural e seu desvio para os canais.

O antecessor de Tebet no ministério, o potiguar Fernando Bezerra, grande defensor da transposição, não se conforma com a postergação. "O argumento de suspender o projeto devido à falta de água é ridículo, pois sua realização demoraria, pelo menos, quatro anos. Por isso, deveria ser iniciado já", afirmou.

Enquanto autoridades e interessados no assunto não se entendem, a seca vem se tornando cada vez mais grave. "O total desabastecimento de vários municípios nordestinos e a atual crise energética, com os reservatórios do sistema Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) praticamente vazios, são a prova disso", diz João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas do país em recursos hídricos. "E a tendência é haver o agravamento da situação. Comenta-se que o auge do ciclo será atingido por volta de 2005."

Para analisar os prós e os contras da transposição do São Francisco, a reportagem de Problemas Brasileiros percorreu municípios que seriam atingidos pelos canais do Eixo Norte – o mais longo –, visitando comunidades que, teoricamente, se beneficiariam diretamente do projeto. Além disso, descemos o rio de Cabrobó à foz, para tentar entender que mudanças seriam trazidas pela transposição e pela conseqüente redução no volume de água. E, principalmente, quais as perspectivas para o Velho Chico, o rio da integração nacional.

Em um quadro de forte estiagem, em que os colapsos no fornecimento de água e na produção de energia elétrica parecem inevitáveis, a idéia de levar parte do São Francisco para o semi-árido parece loucura. Muitos falam que seria o equivalente a fazer com que um moribundo doasse sangue. Prevêem que, caso isso aconteça, será a morte do rio. Por outro lado, milhares de famílias estão enfrentando uma situação insustentável. Se não forem adotadas medidas urgentes, é provável que ocorra uma catástrofe nos próximos anos. E, se as iniciativas forem paliativas, vão durar apenas até a próxima seca.

Transposição: as informações técnicas não estão chegando às mãos das autoridades que decidem os destinos do Rio São Francisco.


Por João Suassuna

Ao término do ano de 1999, a situação hídrica do Brasil apresentava-se calamitosa. Na região Nordeste, após seguidos anos de seca (97, 98 e 99 foram secos), o que se viu foi um quadro desolador e, por vezes dramático, no desabastecimento de várias cidades da região, a exemplo de Campina Grande, a segunda maior cidade do estado da Paraíba, prevendo-se o colapso total, já no mês de janeiro de 2000. No estado de Pernambuco, a situação não era diferente. Cidades como Caruaru e Surubim, apresentavam racionamento de 26 dias e Recife, a capital do estado, chegou a racionar água por um período de 9 dias em alguns bairros.


Naquela ocasião, a falta d’água parecia ser um problema não apenas dos nordestinos. A situação tinha extensão nacional. O setor elétrico do país ficou ameaçado por falta de chuvas. As três hidrelétricas do sistema CHESF estavam com seus reservatórios com níveis baixíssimos: Três Marias com 17,94% da capacidade útil; Sobradinho, considerado o maior reservatório de água do Nordeste, com menos de 10% de sua capacidade ocupada e Itaparica com 43%. No norte do país a situação não era melhor: no Rio Tocantins, o reservatório da hidrelétrica Serra da Mesa, estava com 34% de sua capacidade e o de Tucuruí com 55%. Na região Sudeste, no Rio Grande, a hidrelétrica de Furnas apresentava 12,86% de seu reservatório ocupado; o de Marimbondo, com 11,73% e o de Água Vermelha, com 23,70%. No rio Tietê, a hidrelétrica de Três Irmãos com 12,80% de sua capacidade; a barragem de Barra Bonita, com 31,83% da capacidade e a de Promissão com 17%. No rio Paranaíba, a hidrelétrica de Emborcação, com 25% da capacidade do reservatório; a de Nova Ponte, 32,86% e a de São Simão, com 41,85%. No rio Paraná, a hidrelétrica de Ilha Solteira estava com 12,70% do seu reservatório ocupado.


Este quadro preocupante fez o país acordar para o assunto e as questões hídricas, antes relegadas a um segundo plano, passaram a fazer parte da mídia em todo o país. No entanto, estamos longe de chegar a um denominador comum com relação à solução dessa questão, tendo em vista, de um lado, existirem os que defendem a transposição do Rio São Francisco como a única alternativa viável para a solução dos problemas de abastecimento das populações nordestinas (visão muito comum no meio político), não havendo a preocupação, para se alcançar aquele objetivo, de avaliar as conseqüências oriundas da retirada, no rio, dos percentuais volumétricos pretendidos; de outro lado, existem aqueles que radicalizam, fazendo previsões, as mais sombrias possíveis, com relação ao futuro do rio, dando como certa a sua exaustão até o ano 2060. Pelo visto, essa polêmica, de certo, ainda vai perdurar por mais um bom período de tempo.


Entretanto, temos que avaliar a questão da transposição levando em conta alguns fatos importantes, acontecidos e vivenciados na atualidade, os quais vão ao encontro daqueles que fazem as previsões mais pessimistas com relação àquele caudal, ou seja, de que ele terminará se exaurindo. Referimo-nos ao desaparecimento de três rios de pequeno porte no sudoeste da Bahia, no município de Correntina (o Cabeceira Grande, o Capão e o Sucuriú), todos afluentes de importantes tributários do São Francisco, como é o caso do rio Corrente. Esse fato aconteceu no terço superior do rio, região que deveria merecer um tratamento adequado pelas autoridades, pois tudo o que ocorre ao longo do São Francisco é reflexo dos acontecimentos naquele importante setor de sua bacia hidrográfica. É naquela região onde são formadas as grandes cheias do rio, é nela onde a navegação e a pesca se fazem com maior intensidade e é onde ocorrem as precipitações responsáveis pelo abastecimento da represa de Sobradinho que, por sua vez, possibilita a regularização do rio e a garantia de geração de energia elétrica no complexo de Paulo Afonso. Seria, em tese, a região na qual se deveria ter um maior cuidado quanto à preservação do ambiente, a fim de se garantir a proteção necessária do rio. Mas, infelizmente, não é isso que vem ocorrendo nos últimos anos. Os desmatamentos indiscriminados praticados pelos proprietários ao longo de suas margens vêm trazendo conseqüências desastrosas para a manutenção dos aqüíferos, assoreando-os e dando início ao processo de exaustão de algumas nascentes. Esse fato, aliado às características geológicas da região na qual o rio corre (embasamento cristalino), às secas sucessivas, muito comuns na região, e ao comprometimento das águas com a geração de energia e com a irrigação (a geração de energia consome 2100 m³/seg da vazão média do rio que é de 2800 m³/seg, enquanto a irrigação de todo o potencial irrigável de sua bacia demanda cerca de 1500 m³/seg), evidencia um problema que muitas vezes passa despercebido e que tem importância fundamental para o planejamento do uso das águas do São Francisco para fins de abastecimento. Trata-se da diminuição da vazão do rio e, consequentemente, da necessidade de se trazer energia de outros centros geradores do país para abastecer a região Nordeste.


Esse fato mostra a necessidade de haver a revitalização do rio através de novos aportes volumétricos oriundos de outras bacias hidrográficas. Essa questão tem ocorrido com certa freqüência, tendo ficado evidente no ano de 1999, com a represa de Sobradinho operando em regime crítico, com menos de 10% de sua capacidade útil, obrigando a CHESF a importar 800 MWH de energia da hidrelétrica de Tucuruí (PA) para o Nordeste, volume de energia equivalente a 15% do consumo da região. Essas previsões foram feitas pelo Diretor de Operações da CHESF, Dr. Paulo de Tarso, em matéria publicada no Diário de Pernambuco em 18 de março de 1999.


Mesmo com esses acontecimentos, a questão da transposição passou a ser tornada pública pelas autoridades do país, sem nenhuma restrição quanto à sua implementação, bastando mera vontade política para pô-la em prática, e nada mais. Nesse sentido, temos acompanhado pela mídia os depoimentos, as entrevistas e as tomadas de decisões de alguns membros do governo federal ligados ao assunto, avaliando a questão com muita tristeza e apreensão por acharmos, de um lado, que as informações técnicas estão chegando às mão das autoridades competentes de forma incompleta e, de outro, por entendermos que, mesmo existindo essa deficiência no trato das informações, o projeto acabará sendo realizado a todo custo, tendo em vista o poder decisório e a vontade política das autoridades em fazê-lo diante de uma situação desesperadora. Para se ter idéia da magnitude do problema, a licitação do projeto está prevista para ser iniciada no primeiro semestre do ano 2000 e, para tanto, já foram negociados, junto ao Banco Mundial, cerca de US$ 189 milhões para serem gastos em algumas linhas de ação, tais como: gestão, estudos e projetos, bases técnicas (redes de monitoramento) e obras.


Essas questões, no entanto, deveriam ser tratadas em bases mais científicas e menos empíricas e apaixonantes. Não se pode transpor as águas de um rio, a qualquer custo, sem haver a preocupação com os efeitos causados ao ambiente, advindos dessa transposição. Procedendo-se dessa forma, gera-se um ciclo vicioso, como se o carro estivesse literalmente na frente dos bois, ou seja, soluciona-se um problema (de abastecimento) com a criação de outro de igual magnitude (de geração). Com a existência do novo problema, parte-se para solucioná-lo e termina-se por criar outro de difícil solução, fechando-se assim o ciclo pernicioso. Essa é a realidade dos fatos. Os questionamentos técnicos são sempre relegados a um plano secundário. O resultado dessa prática equivocada, certamente tem trazido, como conseqüência, o que estamos presenciando na atualidade: a falência quase que completa dos sistemas de abastecimento das grandes cidades nordestinas, pondo em risco a vida de suas populações.


No nosso modo de entender, a transposição deveria ser realizada através de ações mais coerentes, que poderiam ser postas em prática pelas autoridades do Nordeste, traduzindo-se na realização de um orçamento hídrico, no qual se garantiria volumes de água para o atendimento a diversos fins. Assim, seriam reservados X m³/s para o abastecimento das populações, Y m³/s para irrigação, Z m³/s para geração de energia, W m³/s para uso industrial e assim por diante. Esse orçamento seria constantemente atualizado (a Agência Nacional da Água-ANA teria um papel fundamental no gerenciamento desse orçamento), de acordo com as características hidrológicas de cada ano, podendo apresentar folgas na utilização daqueles volumes, em casos de anos com maiores índices pluviométricos, e restrições na utilização, para os casos de anos com escassez de chuvas. Igualmente importante seria a transposição de águas oriundas de outras bacias hidrográficas para ampliar a vazão média do São Francisco. Nesse caso, existe uma falha tectônica no noroeste da Bahia com a existência de duas lagoas (Jalapão e Varedão), ambas com triplo desaguadouro: para o Parnaíba, para o Tocantins e para o São Francisco, através do rio Sapão que deságua no rio Preto, que por sua vez, deságua no rio Grande e finalmente no São Francisco. Nas referidas lagoas já há uma transposição natural para o São Francisco de cerca de 110 m³/seg. Um aprofundamento dessas lagoas seria o suficiente para uma ampliação significativa da vazão do rio São Francisco.


Entretanto, não se deveria deixar de lado as ações já existentes para fazer chegar água às populações. Constitui um erro crasso imaginar-se que, atualmente, a transposição do São Francisco é a única alternativa possível de abastecimento do Nordeste. Temos que acreditar e dar continuidade aos investimentos já realizados no setor de abastecimento, através da construção de grandes represas (a represa de Pirapama, na região metropolitana do Recife, que poderia minimizar e muito o problema do racionamento de água do município, teima em não sair do papel); da exploração racional dos aqüíferos subterrâneos, principalmente em regiões sedimentares; da ampliação do número de cisternas no meio rural; do desenvolvimento das pesquisas na área de reuso de águas servidas, etc. A transposição tem que ser encarada como mais uma alternativa de abastecimento, que viria a ser somada às já existentes.


Finalmente, existe um adágio popular que afirma ser Deus brasileiro. Com as recentes chuvas caídas em janeiro do ano 2000, que postergaram por mais alguns meses as previsões de colapso do abastecimento da região, acabaram por regionalizar mais o referido adágio. Deus, além de brasileiro, passou a ser nordestino. Sobre essa questão, chegamos à conclusão que não adianta Deus ser brasileiro ou nordestino. Se não fizermos a coisa certa, pagaremos o preço do mau comportamento. Temos a memória curta e, por isso, não usamos adequadamente as lições do passado. Temos a visão do futuro também curta. Com relação às questões hídricas, por exemplo, nos perdemos no ano de 1999 em muitas conjecturas; é certo que previmos muitas coisas ao longo do seu curso, mas o fato é que não temos, hoje, uma boa visão de como as coisas irão se comportar no ano 2000. Talvez a melhor saída fosse a de se tentar colocar a junta de bois no seu devido lugar e caminhar, devagar, mas com os pés no chão.



http://www.fundaj.gov.br/docs/tropico/desat/js250200.html