Não sou, nunca fui, nem pretendo ser santo. Já traí. E há um certo prazer em enganar. Mas depois de observar com mais cuidado o comportamento humano, comecei a mudar minha maneira de pensar. Cheguei a uma conclusão: trair é realmente uma atitude de covardia.
Um amigo meu, o Demóstenes Navarro, me contou que estava traindo sua esposa. A alegria e empolgação saltavam-lhe os olhos quando me contava os sórdidos detalhes de suas façanhas sexuais. Depois de alguns depoimentos, comecei a refletir: e sua esposa? A pobre coitada dava um duro danado: cuidava dos filhos e da casa, trabalhava fora, fazia a comida, lavava as roupas. E o que recebia em troca? Um par de córneos. Por que o marido não separava de uma vez e parava de enganar a coitadinha? Pois eu respondo isso pra vocês. Vamos pensar racionalmente. Ele tem uma mulher que dá conta de coisas importantes e básicas em sua vida. Além de tudo que citamos mais acima, a mulher põe dinheiro em casa; ajuda nas despesas e assume a disponibilidade de ir quitar as contas domésticas. Em suma, o Demóstenes poupa parte do dinheiro de seu trabalho, e a mulher realiza todas as atividades domésticas que também seriam dele.
Pra que separar? Se isso acontecer ele vai ter que gastar dinheiro com empregada ou diarista (o que vai sair mais caro), vai começar a gastar mais do seu dinheiro consigo, já que vai perder a contadora e pesquisadora de preços; vai ter que arrumar tempo para ver os filhos, afinal vai morar separado dos mesmos, isso se não ficar com a guarda deles e ter que assumir mais responsabilidades sozinho! Além do mais, a amante vai encontrar nessa situação a oportunidade perfeita de ser a titular, se bem que ele não sabe se essa vai ser tão boa empregada quanto a atual titular.
Então é melhor não mexer no que está quieto. Uma trabalha e a outra o diverte, lhe dá prazer; assim ele tem um monte de histórias eróticas pra contar para os amigos. Uma coisa importante, por mais que a esposa dele seja uma malabarista sexual, ele não pode compartilhar isso com os seus camaradas; é melhor, ter uma amante mesmo. Desta forma, ele pode palestrar para os amigos sobre “como conquistar as mulheres” e recuperar o prestigio da virilidade diante dos amigos.
Texto 02
Eu, um copo descartável
Autor desconhecido
“Estava eu, sozinho, a pensar, juntamente com os meus companheiros de fábrica e de produção de copos, que eu os conheci quando saímos da fôrma. Em minha pálida solidão e bastante angustiante, onde a qualquer momento tudo poderia mudar, claro, vai que chega por aí um humano e me tira do pacote de embalagem! – Esperava ainda a minha vez de ficar bem pertinho da boca do saco e ser entrelaçado pelos dedos humanos e ser beijado por lábios macios e com sede. Eu não tenho uma vida curta, como muitos humanos pensam, só porque sou um simples copo descartável. Eu ainda posso viver e muito no meio ambiente de vocês, humanos. Mesmo quando sou amassado, rasgado e jogado fora, ainda ficarei anos e anos no seu meio ambiente até eu ser totalmente decomposto. Assim, quando sou jogado no meio da rua, rebolado pelo vento e parando em qualquer canto de calçada, mesmo todo amassado e rasgado, tudo bem, pelo menos, nenhum humano me mordeu entre os dentes só para passar o tempo.
Depois da surra que levei do vento e se já passaram as 6 horas da noite, agora posso descansar sossegado. Logo cedo, pela manhã, esperarei o gari com sua pá, e forçadamente, pegarei o meu expresso para o lixão e suas rodas tortas pelo uso. Viajarei por todo o dia, visitando lugares imundos, repugnantes e apertado, pois a cada parada, o expresso ficava mais lotado. Serei jogado fora mais uma vez, nesses locais apropriados e longe da sociedade que, vocês, humanos, chamam de lixão. Nesse meu pensar histórico, ficarei aqui, parado, por gerações da sua espécie humana. Alcançarei até a segunda geração de vocês, humanos, e daquele que me jogou na rua e me separou dos meus amigos do pacote e assim, vim parar aqui, no lixão. Serei morto (desgastado) aos poucos e vou apreciando o seu mundo sendo engolido, devastado pelo lixo e por milhares de parentes meus de plástico. Não que afirme isso por raiva ou fúria de vocês, humanos, mas pelo descaso que vocês mesmos fazem com o lixo. E mais, não tenho culpa se você me criou e depois não inventou uma forma de me reaproveitar.
Depois, pense direitinho... Quem é descartável? (Eu, um copo de plástico) e quem tem uma vida curta?(Eu, um copo de plástico). Vocês humanos quase não chegam aos 100 anos! Eu sim, ultrapasso! – Desta forma, sempre serei uma história viva e um problema eterno para vocês e seu planeta, e serei capaz, junto com meus parentes, fundar uma nação de plástico. Desculpe-me se fui bem verdadeiro, mesmo assim, foi um prazer em te conhecer, mas fique sabendo, eu vivo mais do que você”.
Conscientização plástica, o planeta precisa disso!
Agora é lei: não pode fumar em local fechado, não pode fumar em local aberto... não pode fumar.
É proibido fumar, e acho até um pouco bom. Particularmente, não sou fumante, mas acho que é complicado jogar a culpa da fumaça toda no tabagista. Ora, de que adianta a pessoa ter o direito de comprar seu cigarro em qualquer lugar, se ela não pode fumar em qualquer lugar?
A fumaça incomoda, faz mal; mas também incomoda o cheiro de álcool e os acidentes provocados por bêbados –que saem dos mesmos bares, onde não se pode mais fumar– e causam pior estrago. Então por que não se proíbe o consumo de álcool, em bares e restaurantes? A mim, me incomoda mais um bêbado do que um fumante. Aliás, os dois incomodam tanto quanto o barulho dos carros na cidade do Rio. Por que não se proíbe o tráfego de carros barulhentos nos centros das cidades? E a fumaça dos carros? Por que não se proíbe? Por que não se põe uma centena de propagandas negativas, tarjas pretas dizendo que a fumaça dos carros contém mais de 4,700 substâncias tóxicas, e que não há níveis seguros para o consumo? Parece impossível. Afinal, se tantas coisas incomodam, fazem mal e tralalá, por que não se proibir tudo?
Agora imaginem nossa sociedade modelo: é proibido fumar, beber, transgênicos, conservas, frituras, comunismo, drogas (elas já são proibidas, mas ninguém se importa), música alta, carros barulhentos, carros fedorentos, carros calorentos... É proibido estacionar, caso ainda haja algum carro na rua que não tenha sido multado, apreendido, roubado ou desmanchado. Não se pode espirrar ou tossir, evitando a contaminação de gripes e resfriados (o infrator deverá pagar uma multa de uns trocentos reais), extinguindo assim os surtos da doença. Aliás, só pra constar: sexo é proibido. Só para procriação, caso haja congestionamento nos sistemas de fertilização artificial. Isso tudo é bom pra você?
É importante deixar bem claro que não sou a favor do fumo, e sim da liberdade. E não adianta aumentar o preço do tabaco, encher de impostos, propagandas negras e campanhas anti-fumo. O tabagista sabe dos malefícios do cigarro, e isso é problema dele. Agora, o doente, esse sim, é problema do governo. É para isso que pagamos impostos, mas nem hospitais podemos ter. Pagamos tanto imposto e não vemos nada aplicado em coisas básicas, como saúde (só pra não citar educação), e só vemos proibições, altos preços e aquele cerceamento sinistro que nos acomete desde a época da ditadura. E vai seguindo. Quem sabe, daqui há alguns anos, falar não seja proibido?
Aviso: fumar causa multa e apreensão do cigarro.
Texto 02
Morte ao crack
Adalberto dos Santos
Peço desculpas aos que me leem neste site. Não pude escrever minha croniqueta no último sábado. Chegou a noite da sexta e não pude. Nem durante a madrugada do sábado consegui preparar o escrito. Não por falta de assunto, claro. Esse ainda havia. Literalmente o mundo está fervendo. E demais. Literariamente também. Sempre há assunto. Os que escrevem sabem que não falta o que dizer quando se quer escrever. No caso da crônica, é um pouco diferente, porque, como já se disse por aí, é um muito difícil. Toda vez o cara tem que comer o diabo que amassou o pão. E sem assado ou tempero. Sofre a dor do parto com a caneta entre os dedos e às vezes não sai nem um milionésimo de palavra.
Não faltou mesmo que dizer, juro. Negócio é que às vezes se tem o que dizer, mas não se tem a alma suficientemente capaz de deixar a voz tagarela. Como se sabe, nem só a língua fala; a alma também. Na verdade, fala a alma pela língua. Mas, quando aquela sofre de algo, fica-se mudo, infeliz, incapaz. Foi o que me aconteceu no último fim de semana. Fiquei abatido com coisas que vi e não tive palavras para escrever. Minha aflição era muita.
Estava ainda na velha Paraíba colhendo lembranças de todos os tempos com amigos e não-amigos. Mas ali, já sombrio por ter encontrado minha cidade tão diferente (atolada na lama da hipocrisia em todos os sentidos), como fiz questão de lembrar a vocês, fiquei sabendo de um mal considerável que também a atinge. O mal do crack que já vitima jovens de todas as idades naquele rincão de Nordeste.
Tive náuseas de não dormir aquele fim de semana quando soube por fontes locais das séries de pequenos furtos realizados pelos usuários da droga em casas de todas as classes da cidade, em especial das pequenas residências de pessoas que, para não morrer à sorte do frio da noite, têm de seu apenas o teto. Nesses lares pequenos e apertados, que só cabem as redes onde os pais sertanejos descansam a penca de herdeiros da escassez de quase tudo, estão entrando os larápios, ou, como se diz na gíria dos locutores de noticiários policiais, os donos do alheio. O mais assustador é que já não furtam por precisão, como antigamente. Nem é para guardar o furto ou trocá-lo em objetos que desejam por inveja ou carência. Eles o fazem para transformar a obra do delito em dinheiro que enriquece fácil essa nova elite de pequenos milionários suburbanos, os traficantes do já conhecido mercado do crack brasileiro.
Os usuários, uns pobres, sequer se alimentam essas criaturas sem cor ou cara de criaturas. São os escravos da “pedra”, a mistura insípida que o jornal me diz ser o pó da cocaína e bicarbonato de sódio. Tristes crianças de menos de doze anos, outros são ex-vitaminados atletas, homens e mulheres que eu conheci na infância e que hoje a droga está afastando da família, da sociedade e deles próprios.
”Noiados”, como são chamados, em razão da possessão da droga, roubam tudo o que podem. À noite, entram nas casas por cima do telhado, pulam os muros, atravessam paredes como vampiros. Quando menos se espera, já têm levado pequenos objetos como vassouras, baldes, peneiras, bicicletas, restos de sabão, roupas no varal. Sutis feito um felino com fome, fazem a xepa para a volúpia do vício. Me disseram que um deles esperou um comerciante plantar a árvore no fim da tarde e mal os últimos moradores fecharam as portas depois da novela, cavou ao redor e levou consigo a muda. Moeda de troca. Ninguém ouviu o pisar dos pés ou o ofegar do pulmão viciado. Parece que cavou o chão com as unhas. Pela manhã bem cedo viram as pistas em suas mãos. Sujas de terra. Semelhante ao cão que escava um osso onde enterraram carne com veneno. Perguntado se havia levado a plantinha, não conseguiu responder. Não tinha forças. Estava sob efeito da segunda pedra das últimas duas horas.
Conheço o sujeito. Por sorte, enquanto estive na cidade, não consegui encontrá-lo. Acredito que teria perdido o restante da viagem. É triste ver gente tão jovem enganada por essas ilusões miseráveis. É ainda mais triste testemunhar que a lista aumenta a cada minuto. Drogas: ilusões que só desgastam, deprimem, matam sem piedade. Não morre o traficante, que se dá bem com a desgraça dos outros. Morte ao crack, então, esse abismo que tem engolido o planeta de uma ponta a outra, que tem aprisionado o corpo e a alma de infelizes sem casa e sem nome.
São tantos, meu Deus, que dá pena. Sofro porque quando a gente os vê, sabe que a vida deles é o preço da pedra; na matemática real, uns míseros cinco reais. Sem eles, que usa não a tem. Acaso, eles a dão de graça? Que nada. Apenas matam e enganam se não os pagam; no mínimo, eles lhes tiram até o que não têm. Em pouco tempo, não mais o orgulho de se sentir decente. Depois, nem as pequenas árvores, lindas e maravilhosas, como sempre foram, podem crescer tranquilas em direção ao céu. Crianças de menos de doze anos não podem crescer; sequer sonhar com a esperança de um céu. Onde? Quando?
Texto 03
O apagão poderá nos trazer alguma luz
Arnaldo Jabor
Nossa ilusão de Primeiro Mundo falsificado caiu por terra.
Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão. O apagão vai ser uma porrada na nossa auto-estima, mas terá suas vantagens.
Com o apagão, ficaremos mais humildes, como os humildes.
A grande onda narcisista da democracia liberal ficará mais cabreira, as gargalhadas das colunas sociais ficarão menos luminosas, nossas dentaduras menos brancas, nossos flashes menos gloriosos. Baixará o astral das estrelas globais, dos grandes comedores, as bundas ficarão mais tímidas, os peitos de silicone menos arrebitados, ficaremos menos arrogantes dentro da escuridão que se abaterá em nossas vidas de classe média. Há algo de castigo de Deus nesta porra toda, pois ficaremos mais parecidos com as periferias, para quem sempre houve o apagão de vidas e sonhos, haverá algo de becos escuros, de becos sem saída, de favelas tristes, haverá um baque em nosso egoismo, nossas peruas e nossos cafajestes terão de maneirar um pouco. A euforia de Primeiro Mundo falsificado cairá por terra e dará lugar a uma belíssima e genuína infelicidade.
O Brasil se lembrará do passado agropastoril que teve e que, escondidamente, ainda tem; teremos saudades do matão, do luar do sertão, da Rádio Nacional, do acendedor de lampiões da rua, dos candeeiros, das lâmpadas de carbureto dos carrinhos de pipoca, lembraremos das tristes noites dos anos 40, como das noites dos blackouts da Segunda Guerra, mesmo sem os submarinos, sem navios alemães, apenas sinistros assaltantes nas esquinas apagadas.
O apagão nos lembrará dos velhos carnavais: "tomara que chova três dias sem parar." Ou: "Rio, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz!" Lembraremos dos velhos discos de 78 rpm, dos cantores com som precário, das TVs preto e branco, de um Brasil mais micha, mais pobre, cambaio, troncho, mas bem mais brasileiro em seu caminho da roça, que o Golpe de 64 interrompeu, que esta mania prostituída de Primeiro Mundo matou a tapa.
Há algo de maldição nisso tudo, castigo pela destruição de Sete Quedas, o preço a pagar pelos demônios ecológicos de Itaipu, de Tucuruí, do tal "Brasil potência", das grandes gorjetas, das represas, dos 50 bilhões de dólares de Angra 1 e 2, dos bilhões roubados nas grandes hidrelétricas arcaicas já na época em que se sabia da melhor utilidade das pequenas usinas e de outras fontes de energia. Lembraremos de Geisel, de Médici, dos milicos que nos marcam a vida até hoje, nos entregando uma democracia de caixa quebrada, nos lembraremos também dos canalhas que pilharam o Tesouro, com sua fome de 20 anos, dos corruptos, das instituições vagabundas que nos ajudaram a falir, nos obrigando a um ajuste fiscal desumano, nos obrigando a uma governança miserável, sem desenvolvimento, sem projeto, limitada a arrumar as contas da falência.
O apagão nos mostra que somos subdesenvolvidos sim, que toda esta superestrutura de delírios modernizantes está em cima de pés de barro. O apagão é um upgrade nas periferias, nos "bondes do Tigrão", no mundo funk, nos lembrando da escuridão física e mental em que eles vivem, do lado de fora de nossas cercas e avenidas iluminadas. O apagão nos fará mais pensativos, mais metafísicos, mais conscientes de nossa pequenez no mundo. Não temos terremotos e vulcão, mas temos apagão. Seremos mais poéticos, olharemos as noites estreladas e pensaremos: "a solidão dos espaços infinitos nos apavora", como disse Pascal ou ainda, se mais líricos, recitaremos Victor Hugo: "a hidra-universo torce seu corpo cravejado de estrelas..."
O apagão nos fará pensar em Deus; não este "deus" das classes médias, da missa de domingo, sempre pedindo amor, saúde e dinheiro, nem do "deus" dos universais dos 10% para os bispos da TV, mas o Deus-natureza que tem uma vida própria, um ritmo seu, o Deus-universo que despreza nosso progresso dependente. O apagão nos dará medo de um grande flagelo que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas paulistas secas e mortas. O apagão nos fará entender a vida dos flagelados do Nordeste, que sempre olharam o nosso lindo céu de anil como uma ameaça. O apagão nos fará contemplar o azul sem nuvens, pois aprendemos o que a natureza é quando não obedecida e respeitada.
O apagão nos fará mais parcimoniosos, mais respeitosos, mais públicos, e acreditaremos menos nos arroubos de auto-suficiência. O apagão vai dividir nossas vidas, de novo, em dia e noite. As noites e os dias serão nítidos, sem esta orgia de luzes que a modernidade celebra para nos fascinar como diamantes sobre o pano negro de sujeira, que nos fazem esquecer as cidades que, de perto, são feias e injustas. Vai diminuir a féerie do capitalismo enganador.
Vamos dormir melhor com o apagão, talvez amemos mais a verdade dos dias e menos a mentira das noites . Acabará a ilusão de clubbers e playboys que terão medo dos "manos" em cruzamentos negros e talvez o amor fique mais recolhido, mais sussurado, mais trêmulo e desamparado. Talvez o sexo se revalorize como prazer calmo e doce, talvez fique menos rebolante e voraz. Talvez aumente a população, com a diminuição das diversões eletrônicas noturnas.
O apagão nos fará mais inseguros na rua mas, talvez, mais amigos nos lares e bares. Estaremos de volta a nossa Idade da Pedra, aos fundos de caverna onde nós, macacos, nos protegíamos, mais solidários, com pavor das grandes feras.
Finalmente, o apagão nos fará mais perplexos, pois descobrimos que o Brasil é mais absurdo que pensávamos, pois nunca entenderemos como, com três agências cuidando da energia, o governo foi pego de surpresa por essas trevas tão longamente anunciadas. Só nos resta o consolo de saber que, no fim, o apagão vai nos trazer alguma luz sobre quem somos.
A trama conta a história do maior capoerista de todos os tempos, Besouro, interpretado por Ailton Carmo. Depois que o mestre que o colocou nas primeiras rodas de capoeira é assassinado a mando do coronel local (Flavio Rocha), Besouro inicia uma luta contra a cultura escravocrata que ainda predominava no Recôncavo Baiano em plenos anos 1920.
Gravado em Igatu (BA), na Chapada Diamantina, o filme é uma adaptação livre do livro Feijoada no Paraíso, de Marco Carvalho. A trama mistura fatos com mitologia afrobrasileira, o universo dos Orixás. O cenário sobrenatural serve de ótima desculpa para feitos sobre-humanos em lutas e sequências de visões. Para viabilizar o registro de combates à la Tigre e o Dragão (com direito a corrida sobre as árvores e velozes golpes flutuantes) foi contratado o chinês Huen Chiu Ku - o mesmo que coreografou o filme de Ang Lee e Kill Bill de Tarantino.
Chamar especialistas estrangeiros para resolver desafios de filmagens é algo pouco comum no nosso cinema - mas trivial em Hollywood. Veterano publicitário, acostumado com prazos apertados, colaborações e efeitos especiais, Tikhomiroff não tem aquele orgulho desnecessário de boa parte dos cineastas locais. Assim, capoeiristas são pendurados para lutar em cabos que no passado encantaram o mundo em filmes como Matrix.
Para um primeiro esforço do cinemão brasileiro nesse sentido, Besouro é louvável. Um primor de estética. No entanto, problemas de roteiro o impedem de tornar-se uma aventura realmente memorável. O dispensável triângulo amoroso é o maior deles. Tikhomiroff o defende alegando que "todo o herói precisa de um amor". Mas não seria o amor de Besouro seu povo? A personagem Dinorá (Jessica Barbosa), criada para o filme, é interessante - sua cena de vingança é uma das mais empolgantes -, mas é ao lado do amigo de Besouro (e depois antagonista) Quero-Quero (Anderson Santos de Jesus) que ela funciona melhor, até pela novidade de termos um herói sem romance, comprometido com sua luta.
Besouro é também vítima de seu próprio alarde. Astro do Kung-Fu preparando as coreografias, 10 milhões de reais de orçamento... Esperavam-se muito mais cenas de luta e grandiosidade. Mas no final o herói é muito mais contemplativo e relutante que atuante de verdade. Isso não deixa de ter seu apelo, claro, com a influência de Besouro despertando em seu povo o espírito de luta. Mas já que foi vendida como um filme de super-herói, de ação, faltou à produção a indispensável catarse heróica - o confronto final, o muque na cara. O protagonista se prepara, comunga com os deuses, veste seu "uniforme"... e nada.
Há certas regras que definem o cinema de gênero. Besouro é corajoso ao buscar novas, mas isso limita seu apelo. A jornada do personagem resulta deficiente, seu martírio sem glórias. De certa maneira, ao enfrentar o marasmo do cinema nacional, Tikhomiroff é mais herói que seu retratado.
Na sociedade contemporânea, crianças, jovens e adultos têm substituído o hábito da leitura pela TV. Muitos argumentam que é chato ler, e que a televisão é muito mais interessante com seus programas de entretenimento. Contudo o hábito de ler traz benefícios pessoais que passam despercebidos pelas pessoas.
Um desses benefícios é o estimulo ao raciocínio. Quando lemos romances, fábulas e contos, por exemplo, a mente é obrigada imaginar personagens, indumentárias, lugares, clima, ambientes. Esse é um trabalho de raciocínio mental despertado pelo ato de ler.
Outra beneficie da leitura é a formação de opinião e o desenvolvimento da interpretação pessoal. Ao contrário da TV que já traz o conhecimento e a informação processados para o telespectador, o ato de ler é um momento pessoal de descobertas do indivíduo. É o momento de analisar, tirar suas próprias conclusões, retroceder a leitura para redimensionar uma opinião, se questionar e responder suas próprias perguntas; é o momento da discussão consigo mesmo.
Com certeza a TV tem seu espaço na sociedade moderna, na vida e cotidiano de cada um. Mas de forma alguma podemos conceber a idéias de que o segundo será substituído pelo primeiro. A leitura tem sua importância e deve ser cultivada dia a dia em nossas vidas.
Fábio Cruz
Texto 03
Ler ou estudar?
A dúvida que se estabelece entre a importância do ler ou do estudar se desfaz quando observamos que os dois fazem parte de um mesmo processo: o de construção do ser humano.
O ato de ler um jornal ou revista implica em analisá-lo e entendê-lo. Você se informa compreende e amplia suas informações. Quando você lê um romance, um poema, um conto, você experimenta sensações, vivencia experiências e amplia seus conhecimentos de mundo. Ler é conhecer.
Ao estudar, você entende como, porque e de que forma as coisas ocorrem no mundo. As informações são explicadas e esclarecidas; os conhecimentos são construídos aos poucos e respeitando o tempo de cada um. O estudo é um processo de autoconhecimento e entendimento do mundo.
Portanto, ler e estudar, não são atividades que existem de forma separada e independente. Uma está entrelaçada na outra. Elas se complementam e são fundamentais na formação e crescimento do indivíduo.
Fábio Cruz
Texto 04
Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa
Outra história do mundo literário chega aos cinemas, impulsionada pela onda de filmes de fantasia. Agora os executivos estão olhando com bastante carinho para esse gênero, após os sucessos estrondosos que as séries O Senhor dos Anéis e Harry Potter fizeram ou estão fazendo, no caso do bruxinho. Qualquer obra marcante existente e que ainda não tenha aparecido nos cinemas está ganhando ou certamente vai ganhar adaptação em breve. O momento é esse. O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, primeiro filme das Crônicas de Nárnia, contudo, não deve chegar ao esplendor. O filme apesar de visualmente muito bom, tem um enredo frágil e pouco envolvente, além de ter uma interpretação e um roteiro pouco convincentes.
A própria apresentação do mundo de Narnia foi mal realizada. Com a pretensão de apresentar um mundo quase infinito de riquezas em termos de cenários, raças e situações, tudo que o filme consegue, quando muito, é mostrar-se uma aventura infanto-juvenil de pequena valia para o destino de todo um mundo. Não há, em momento algum, a sensação de que as quatro crianças realmente são parte de uma lendária profecia, nem de que serão importantes para libertar Narnia de seus "terríveis" opressores. Elas ganham armas em determinada cena para ajudarem-nas na complicada guerra que virá pela frente, mas somente quem as realmente utiliza é um dos garotos, de forma ainda forçada, já que ele não demonstrou ser um líder em momento algum, apenas vítima das circunstâncias e que teve que agir somente pelo fato de que, senão o fizesse, morreria.
Aliás, o trabalho com as crianças, que pesou principalmente em cima da pequena Lucy (Georgie Henley), também deixou a desejar. Além da inexperiência habitual do quarteto de crianças (algo natural por serem tão jovens e novatas no ramo - apenas Anna Popplewell, que interpreta Susan, já esteve em produções grandes) o roteiro não ajudou, com situações que não exigiram fortes emoções nem textos mais elaborados. Quando certo personagem morre no filme, a cena, que era para ser chave, é no máximo razoável, pois o relacionamento entre todos ali foi sempre tratado artificialmente até aquele momento. Parece, no final das contas, que todo peso foi jogado em cima da "fofura" da pequena Lucy, que os espectadores ficariam encantados com seu rostinho simpático e divertido e isso tornaria desnecessário um trabalho melhor com o roteiro. Obviamente não foi isso que aconteceu na mente dos produtores, mas é a impressão que passa.
A direção de Adamson ficou devendo muito em todos os quesitos. Algumas cenas são lindas. O mundo de Nárnia é fantástico. Mas acaba o filme e pouco realmente ficamos conhecendo de seus lugares. O diretor preocupou-se mais em criar criaturas bonitinhas em computação gráfica do que elaborar um filme que pudesse entrar realmente no coração das pessoas.
Crítica de Alexandre Koball (Adaptado por Fabio Cruz da Silva)